Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Iniciamos a Quaresma! E já neste primeiro domingo nós nos colocamos neste tempo de caminhar para bem celebrar a santa Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus é o centro da Quaresma: é para nos unir a Ele no seu deserto que entramos neste caminho; é para ter seus sentimentos e atitudes e poder e, assim participar plenamente da celebração de Sua Páscoa, que iniciamos este caminho de quarenta dias de combate! Somos chamados a viver com seriedade o tempo quaresmal, a colocarmo-nos espiritualmente a caminho para crescer no conhecimento de Jesus, conhecimento ungido pelo Santo Espírito, conhecimento que ultrapassa de muito o simples conhecimento adquirido pelos estudos. Deste conhecimento bendito, falou-nos a oração da Missa do Primeiro Domingo da Quaresma, que pede a Deus: “que ao longo desta Quaresma possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder ao seu amor por uma vida santa”.
Neste início de Quaresma, a liturgia faz-nos pensar no caminho para a Páscoa. Isto porque o tempo quaresmal não é um fim em si mesmo, mas é caminho de luta e combate espiritual para bem celebrarmos, com o coração dilatado, a Páscoa do Senhor, a maior de todas as festas cristãs. Na primeira leitura deste domingo, o Deuteronômio (26, 4-10) apresenta-nos o rito de oferta das primícias da colheita: ao apresentar ao Senhor Deus o fruto da terra, o israelita piedoso confessava que pertencia a um povo de estrangeiros e peregrinos, vindos do Pai Jacó, que não passava de um arameu errante. O israelita fiel recordava diante de Deus a história de Israel, história de escravidão e de libertação: “Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito... Ali se tornou um povo grande, forte e numeroso. Os egípcios nos oprimiram. Clamamos ao Senhor... e o Senhor ouviu a nossa voz e viu a nossa opressão... E o Senhor nos tirou do Egito... E conduziu-nos a este lugar e nos deu esta terra... Por isso eu trago os primeiros frutos da terra que tu me deste, Senhor”.
Éramos ninguém e o Senhor nos libertou, deu-nos uma vida nova – eis o resumo da história e da experiência de Israel! Esta também é a nossa experiência como Igreja, Novo Israel: “Se com a tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo”. Também a nossa história é de libertação: éramos escravos, todos nós, do grande Faraó, o Pecado que nos destrói e destrói o mundo. Mas Deus enviou o seu Filho numa carne de pecado (numa natureza sujeita às consequências do pecado): Ele desceu a este mundo e entrou na nossa miséria, até a morte, a nossa morte. É o que nos anuncia a segunda leitura deste domingo, da Carta de Paulo aos Romanos (10, 8-13).
Deus o arrancou da morte; ressuscitou-o e fez dele Senhor e Cristo, e quem nele crer e confessá-lo como Senhor na sua vida encontra a salvação; encontra um novo modo de viver, encontra a paz, encontra já, agora, a comunhão com Deus e, depois, a Vida eterna! Assim, Israel nasceu da Páscoa do deserto; a Igreja nasceu da Páscoa de Cristo. Israel era escravo, atravessou o mar e o deserto e tornou-se um povo livre para o Senhor. Nós éramos escravos, éramos ninguém, atravessamos as águas do Batismo com Cristo, e ainda que caminhemos neste deserto da vida, somos um povo livre para o Senhor nosso Deus.
O Evangelho (Lc 4, 1-13), apresentando-nos as tentações de Jesus, nos ensina a combater: ele venceu Satanás ali, onde Israel fora vencido: Israel pecou contra Deus murmurando por pão; Jesus abandonou-se ao Pai e venceu; Israel pecou adorando o bezerro de ouro; Jesus venceu recusando dobrar os joelhos diante da proposta de Satanás; Israel pecou tentando a Deus em Massa e Meriba; Jesus rejeitou colocar Deus à prova. Nas tentações de Cristo estão simbolizadas as nossas tentações: a concupiscência da carne (o prazer e a satisfação desregrada dos sentidos), a concupiscência dos olhos (a riqueza e o apego aos bens materiais) e a soberba da vida (o poder e o orgulho autossuficiente e dominador).
Jesus foi tentado como sinal de nossas tentações, tentado por nossa causa, por amor de nós. Ele foi tentado como nós, para que nós vençamos como Ele! Ele foi tentado não somente naqueles quarenta dias. O Evangelho diz que “terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno”. A tentação de Jesus foi até a cruz, quando Ele, no combate final, colocou toda a vida nas mãos do Pai e pelo Pai foi ressuscitado, tornando-se causa de vida e ressurreição para nós que nele cremos, que O seguimos, com Ele combatemos e O proclamamos Senhor ressuscitado.
Portanto, Quaresma é para nós um tempo de conversão e renovação em preparação à Páscoa. É tempo de rasgar o coração e voltar ao Senhor. Tempo de retomar o caminho e de se abrir à graça do Senhor, que nos ama e nos socorre. É um tempo sagrado para aprofundar o Plano de Deus e rever a nossa vida cristã. E nós somos convidados pelo Espírito ao DESERTO da Quaresma para nos fortalecer nas tentações, que frequentemente tentam nos afastar dos planos de Deus.